por Jair
Eloi de Souza*
A Primavera cabocla tem o seu tempo e templo, quando
nascem as manhãs de setembro nos sertões nordestinos. Nessa estação, os ipês se
adornam de pétalas amarelas em buquês, que começam a destalar e cair no arvoredo, um cênico de dança lenta, à similaridade do pouso de gansos
extenuados após longa travessia. Essa estação mostra o contraste do cinzento da
caatinga com o amarelo-claro da copa dos ipês. Quando o viajante transpõe o
riacho do maxixe, e adentra nos sertões da Civilização do meu Seridó, já no
caminho das águas que correm para o alvéolo do Acauã-Seridó e terminam no
barranco do velho Piranhas, a primavera dos ipês amarelos é um fenômeno da
natureza, da flora lenhosa, que em si é um poema de exuberância colorida.
Mas existem outras primaveras que mexem com o
ser político, com a alma de um povo, com a conquista de liberdades, com o
resgate da cidadania e com as práticas democráticas. Na história tivemos a
Primavera de Praga, comandada por Alexander Dubcek, deu-se em 1968. A República
Checa era satélite do bloco socialista, comandado pela Rússia. Por iniciativa
de Dubcek, foi lançado um grande programa de abrandamento do regime, concedia
maior participação popular, franquias de liberdades, e humanização das
políticas governamentais. Conquistou a nação, mas, infelizmente foi esmagada
pelos tanques russos, que destituíram a cúpula do governo daquele país
satélite. Tendo como consequência a não implantação das reformas em andamento,
e decretado o ostracismo de Dubcek. Tempos depois, com a onda Gorbachev aquele tivera
restabelecida sua cidadania política.
Recentemente, de forma inusitada ocorrera a
Primavera Árabe. Ditaduras como a Tunísia, Líbia, Egito, Iêmem e Barheim, foram
varridas do mapa, pelos movimentos libertários, conhecidos como “Occupas”, que
fincaram suas trincheiras nas praças, logradouros públicos e se uniram
militarmente para um confronto sangrento, com resultado a si favorável, mudando
o mapa político africano e da Ásia menor, com a implantação de democracias no
costado de eleições com ampla participação popular. .
Bem, ressaltado esse comentário inicial,
onde reprisamos o despertar de povos d`além-mar, amordaçados por tiranias
truculentas, focamos nosso olhar analista, na “Primavera dos Amarelinhos em Jardim de Piranhas”. Afinal o que
venha ser a Primavera dos Amarelinhos em
Jardim de Piranhas – comandado pelo impetuoso Elídio Queiroz? De início
convém reconhecer ser o povo jardinense uma inteligência rara, de caráter
brioso, hospitaleiro, receptivo, mas inquieto e bravo, e que cansara de um modelo que tinha como
metodologia e forma de governar, a receita prescrita por uma cúpula que carecia
apenas de um simples referendum, homologação
coletiva do acordado, sem nenhuma discussão prévia, essa era máxima. Nessa convergência
desses feudos resultara numa convicção de que juntos, eram imbatíveis.
Ledo engano. O menino Elídio, que mal
ultrapassara a estação da adolescência, transformara-se num impetuoso e bom mascate,
montara a tenda ambulante, transformara-se no empreendedor bem sucedido e conquistara
a dignidade material, para si e para os seus. Mas, não era só isso que
aspirava. A alma reclamava a outra co-irmã da dignidade, a fraternidade. Aquela
que se incomoda com a carência do seu semelhante, a dor do seu amigo de
infância, o abandono do seu conterrâneo. Para esta vocação traça o mote: “Vou fazer na minha terra Jardim, o que os
outros deixaram de fazê-lo”. No início e por muitos dias, pregara como se
estivesse no deserto, lembrando o que fizeram João Batista na era pré-cristã,
alimentando-se apenas de mel. Mas, aos poucos a sonoridade dos velhos búzios,
como no Sertão antigo, promove a convergência de todos do seu clã em torno do
seu nome, fazendo lembrar as figuras de Elviro, José Avelino, o grande
comandante Nelson Queiroz, numa tercitura férrea e leal, que alcançara a tenda onde já estavam os seus
amigos de infância, os companheiros de pelada, a juventude, o povo, formando a
coletividade dos amarelinhos incansáveis.
A
bravura dos amarelinhos que promovera essa primavera política em Jardim de
Piranhas se arvora na ansiedade de ter em seu líder escolhido, a grande
possibilidade de ver Jardim bem cuidada,
acesa nas suas convicções democráticas, com o zelo especial na coleta de
resíduos sólidos e líquidos, com o disciplinamento dos esgotos a céu aberto,
com o resgate de um cênico em que se possa ver a lâmina cristalina do Rio
Piranhas, povoado de peixes sadios. E que se possa ouvir nas madrugadas
invernosas, o canto compassado do carão ribeirinho caqueando o aruá. Vislumbrar
a presença de um horto da vida, onde germine a flora lenhosa, arbustiva, para
recuperação das áreas destruídas da ribanceira do citado ribeirão. A escola como
instrumento de transformação social, onde se construa a estação da cultura, da qualidade
de vida e o resgate de nossa memória, de nossas melhores tradições de
civilidade e saberes humanistas. E ainda, que se promova o resgate da dignidade
do servidor público, pela chama meritória, e do cidadão comum no trato e
atenção de suas necessidades básicas, principalmente na saúde preventiva e na
oferta dos serviços tradicionais com generosidade e pontualidade.
Finalmente,
a grande façanha da primavera dos amarelinhos em Jardim de Piranhas, foi ter
celebrado um pacto com a mansidão, com a não provocação. Foi navegar no
estuário da convivência dos contrários. Ao invés do revide, o estender de mãos
indicando o perdão. Ao invés do estímulo ao acometimento do excesso, o norte da
compreensão para com os desavisados dos tempos. Nesta primavera está a miragem
de um valente e apaixonado barqueiro, cujo sonho acalentado ao longo de anos,
não é só chegar à margem oposta, mas também, patrocinar um grande abraço
coletivo, estampando um sorriso aberto
de satisfação em seu povo, que o tem como o novo e esperançoso líder. Isso é um
bom começo da primavera dos amarelinhos em Jardim de Piranhas.
“Im
memoriam”,
como os amarelinhos e o próprio Elídio,
têm alegria e tristeza, de bom alvitre prestar nossa honrosa homenagem à
inquietude do bravo amarelinho Iram Araújo dos Santos, Iran de Inácio, e a
grandeza de pai e companheiro de Pedro de Zeferino, o barranco do riacho do
amparo, está com banzo e melancolia pela sua ida a Corte Celestial.
É Professor de Direito e escriba da cena
sertaneja.