por JAIR
ELOI DE SOUZA*
Em
tempos vesperais a abolição do cativeiro, nas terras dos sertões do Seridó, a
eloqüência de Joaquim Nabuco contaminava a opinião pública e granjeava a
simpatia até dos mais abastados. De forma solene, em Serra Negra, onde o velho
Espinharas faz curva e é indomável, segundo Juvenal Lamartine[1], fundara-se o Clube
pró-abolição. Cabendo ao seu pai Clementino Monteiro Farias, a presidência da
agremiação, a qual, os mais expressivos nomes do município se irmanaram para
virar uma página da história que ofertava constrangimento aos povos
civilizados.
Fato
é, que aprazada a primeira reunião, para deliberar as condições de alforria aos
puxados na cor, de logo, houve uma voz opositora à outorga da liberdade, bem como
até de fazer parte do corpo coletivo. Tratava-se do Capitão Antônio Pereira
Monteiro, cuja ancestralidade em linha direta, fora fundadora de Serra Negra.
Tinha este uma gadaria que ultrapassava dez mil cabeças. Senhor do maior
contingente de mão-de-obra escrava, e invocava serem os cativos parte do seu
patrimônio, pois, foram adquiridos por compra ou herança.
Face
ao comportamento inflexível do seu Senhor, para alcançar a liberdade, o Preto Luiz, pede guarida a Clementino
Farias e a negra Josefa foi para a casa do prof. Antônio Carlos de Medeiros,
que assumiram a condição de depositários dos cativos. O Capitão Antônio
Pereira, judicializa o pleito de resgate dos escravos. Demonstra perante o Juiz
Municipal por via de documentos, ser o Senhor proprietário destes, e é
atendido. Expedida a portaria aos depositários, o negro foi entregue por
Clementino Farias e Josefa que se valera do Major Sizenando Sátiro[2], fora arrebatada do
oficial de justiça, e é custodiada por este e levada para sua fazenda no
Município de Patos.
Em
razão dessa atitude do Major Sizenando Sátiro, o Capitão Antônio Pereira
Monteiro, impetra uma ação criminal contra aquele que é pronunciado. Aprazado o
Júri, Sizenando comparece quatro dias antes, acompanhado de amigos, inclusive, do
seu irmão Capitão Cazuza Sátiro, herói decantado pelos vates em função do
ofício de grande matador de onças naqueles sertões, onde no sopé da Serra do Tronco, tinha morada e
criatório de gado vacum, com uma particularidade no seu curral de
pau-a-pique, todo mourão era adereçado de uma carcaça de onça que tinha abatido. A absolvição foi unânime, sendo
seguida de rojões de foguetões que se ouviam dos mais distantes rincões daquela
jurisdição. Nesse dia teve jantar patrocinado pelos amigos do Major Sizenando
Sátiro, e dentre as servidoras deste, estava a mulata Josefa, que entrou para história como
uma alforriada jurisprudencial nas terras do meu Seridó. O preto Luiz, após
certo período de custódia em casa de um amigo de Clementino Monteiro Farias, no
Município de Pombal, retorna a Serra Negra, para desgosto do Capitão Antônio
Pereira Monteiro.
A
irresignação do Capitão Antônio Pereira Monteiro, com petição recursal para
anular o julgamento esbarrou na publicação da Lei do 13 de maio de l888,
consolidando pelo menos formalmente, a
abolição do cativeiro, que tornou-se uma
evidência. Mas, no plano pragmático, ocorreram mudanças? É possível, não tanto quanto
desejávamos. Pois, neste 13 de maio de 2012, decorridos 124 anos, a mulata
Josefa, mesmo im memoriam, não
está entre as mães homenageadas, sua luta estava contida nos limites de
defender sua liberdade, a recompensa dada a ela foi de servir liberta a mesa do
jantar do seu protetor Sizenando Sátiro naquele tempo. Ela não teve o direito
de cuidar dos seus filhos, era uma ama-sêca que embalava os filhos dos
abastados dos tempos, cantarolando os cantos de seus ancestrais da Mama África,
c`est la vie.
Parabéns
Josefa, me honraria encontrá-la em paleio celeste com minha generosa Mãe – a
guerreira Maria Elvira de Freitas, a fonte de minha vida e de ser um escriba
das coisas do meu Sertão.
Em
lua minguante/no mês das noivas/2012.
*É
Professor e Dirigente do Curso de Direito da UFRN.
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