por Jair
Eloi de Souza *
Manhã tórrida, de vento sonolento e sutil. As
cantadeiras do carro de boi quebravam o silêncio. O arvoredo ressequido tinha o
seu cênico desnudado, e residualmente se transformara em maravalha, gravetos e folhagem
orvalhada deitada sobre a terra nua.
Cancões em ecos intermitentes davam vazão a sua sinfonia babélica e macabra, devorando
asquerosa serpente no rochedo em fenda laminada. O Carreiro conhecia os
mistérios da terra íngreme, a estreiteza da vereda cobrava esforço redobrado da
junta de boi para alcançar a tenda rupestre que escondia sua silhueta em névoa
cinzenta. A melancolia fez colo silente na mente daquele guia campesino. Na
puberdade dos tempos, mal agasalhara o seu encanto por noviça de pele azeitonada,
viera caetana, a inimiga da vida e subtraíra o seu universo em cupido caboclo.
Deitara a tristeza sobre si. Xanduzinha era seu nome, sempre a via no
canto sutil de pomba colombina, que externava sua tristeza e inconformismo no
entrançado arbustivo que envolvia velha aroeira centenária. Mas, apesar da perda
de tão valioso tesouro, não destruíra sua esperança, pois, esperava
em seu livre pensar, o melhor dos desfechos, um curso de idéias inflamáveis fluía
no âmago de sua alma, o seu espírito realmente queimava igualmente a brasas no
limiar de seu acesamento. Pensava consigo que aquela alma amante, poderia
aproveitar o embaçamento da névoa e retornar ao seu convívio na choça campônia.
Ledo engano,
Xanduzinha, perdera a identidade material, nada havia daquela silhueta atrativa
para os terrenos, especialmente para o enamorado carreiro, que desfrutava de
seu sorriso brejeiro todas as manhãs. E estas manhãs tornaram-se tristes,
monótonas. O vento deixara de ser brisa refrescante, perdera o encanto para o
amante que ficara sozinho. O brioso carreiro não suportava a companhia da
solidão. Aliás, a única companhia vazia é sem dúvida essa solidão, que o ser
humano sendo gregário tenta por instinto desprezá-la, mas, ela é intrínseca aos
que vivem, pensam, meditam, embora não tenha forma, é apenas uma convivente no
imaginário do vazio.
Naquela
manhã o Velho Carreiro ficara mudo consigo mesmo. A dor da ausente amada, não
brotara sequer uma palavra, a alma estava ensimesmada, parcos soluços fluíram
para esboroar o cantil lacrimal, pois sabia que nunca mais a veria. Tão pouco,
sequer as vestes sedosas de Xanduzinha aderiam ao seu corpo macio e de volúpia
em suave calor quando penetrava em dominação felina sobre o velho Carreiro. O
pranto solitário de um paciente condutor de bois, denotava quanto estava embriagado nas quimeras da vida. Sonhos que
o fazia amar de verdade, mesmo que na vida, dalí pra frente tudo era mentira.
O Velho
Carreiro ao perceber que o sol estava a pino, não resistira à fugaz madorna, de
bruço encostara seu rosto sobre a terra morna, como a escutar os estalos de
passos vindos do além, de alguém que estivesse retornando do reino dos bons,
pelo mesmo caminho que fizera sua ida. Algo que seria uma deferência celestial
ímpar, para satisfazer um Velho Carreiro que em manto de cupido caboclo, amara
a Xanduzinha, nos limites de jamais esquecê-la. Daí o banzo que lhe atanazava,
apesar de dissipar o tempo no seu ofício de artífice na confecção de canzis
para as cangas, no fabrico das cantadeiras que anunciavam o permeio do velho
carro de boi, em canto de moenda pelas grotas e veredas de um Sertão caboclo,
cujos desígnios da natureza das coisas, levaram seu fetiche do cupido.
Em lua
cheia no mês da cobras/2012.
*É
Professor do Curso de Direito da UFRN e escriba da cena no Cinzento
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