Recebo do conterrâneo
e amigo Jair Elói de Souza, um belo texto que relata a morte de um dos homens mais
ilustres das terras do Seridó, Dr. Otávio Lamartine. Boa leitura.
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QUANDO OS DEUSES TÊM SEDE NO INGÁ! por JAIR
ELOI DE SOUZA*
Grassava o ano de 1957, fins
das águas, já era o pós Santana. Na sua última fase, padecia em minguante a
noiva da noite. Em gotejo lacrimal notava-se uma bolandeira fosca, com cênico
de cristais d`água, que vez por outra remetiam à caatinga, doses compassadas de
chuvisco coado tocando na pele. Havia um prenúncio de que a cruviana
madrugadenha seria de atormentar qualquer cristão. Mas, ainda permeava a
primeira madorna, os deuses bocejavam compassadamente, como a esperar que um
velho galo gogüento executasse fora de hora, sua sinfonia sinistra, denunciando
os malfazejos vindos das trevas do além. Aliás, o palco estava preparado, a
névoa meandrava as empenas das serras e se assentava em suas chãs “cachimbando”,
como se a envolver a silhueta mítica do último Rei das tendas tarairius,
trucidado com os seus, pelo terço paulista de mando do Capitão do Mato Domingos
Jorge Velho.
Naquela noite um mensageiro,
que retornava das bandas do Caicó, acorrera até a tenda suburbana do velho Eloi
de Souza e rompe o silêncio com o tradicional prefixo das terras do cinzento: oh!
de casa..., de madorna branda, a velha Ana Vicença da Conceição, minha avó
paterna, caqueando o seu rosário benzido pelo seu padrinho do Juazeiro,
responde de imediato: oh! de fora. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo diz o
visitante. Pra sempre seja louvado responde a anciã Aninha. O estranho se
identifica e adianta é Themístocles Cavalcanti cabra Chico Eloi. Venho de paz,
trago carta do Dr. Juiz do Caicó e tenho que levar a resposta amanhã bem
cedinho.
A missiva tinha o destino
da Fazenda “Amparo”, na freguesia de Nossa Senhora dos Aflitos, feudo do velho
e fiel udenista João Bezerra, que mantinha em seu copiar, uma estação de
desasnar meninos daquelas cercanias rurícolas, cuja Mestra-Escola era Dona
Evilásia, sua esposa, um primor de docente, que deixaria com sua ancestralidade
divina de educadora, a melhor ilustração jurídica, o Jurisconsulto Robson Maia,
que coincidentemente fora nosso pupilo no Curso de Direito da Universidade
Federal da UFRN, e atualmente Professor da PUC. O zeloso Eloi de Souza, um recitante
poético de crina acesa, compreendera que sendo sigilosa a missão, tinha que
cumpri-la antes do amanhecer. De chofre tira puída ceroula, e mete-se em surrada
calça de brim ordinário e camisa de algonal, dá de mão da velha roçadeira adereçada
de cabo de jucá, parte para abrir a porta de cima destravancando a tosca
fechadura de aço, e destalando a taramela da porta de baixo, nos preparos para
partir a cumprir a tarefa noturna, que lhe fora confiada. Imaginava que iria sozinho. Ledo engano, no
seu mocotó, estava um meninote nos seus cinco anos de idade, que nem sequer
sonhava com o banco de escola, quanto mais tornar-se escriba da tenda sertaneja,
embora ainda hoje pela lerdeza, continue na estação pagã.
O velho aldeão do clã dos
Gonçalves da Ribeira meã do Piranhas, concorda com a companhia do seu infante
neto mais taludo. Na caminhada noturna, para dissipar o tempo e encurtar a
distância, dá-se a dissecar sobre fatos ocorridos durante a interventoria de
Mário Câmara, tempos de dureza e arbitrariedade, e que foram presenciados por
ele, antes de contornar a idade meã. Naquela noite, o velho Eloi de Souza, já
contava com 59 anos de idade, macerado pelo pêndulo do tempo e por longa
travessia no coice da burrarada, atanazado por reumatismo crônico, cartilagem
gasta na faina da almocrevaria, que lhe consumira os dotes varonis da puberdade
dos tempos. O meninote impúbere, pés descalços, trajando calção curto de
algodãozinho e tosca camisa feita de arranca-toco. Aqui e acolá, era alçado ao ombro daquele ancião
de afeto resinoso, que a tira colo, conduzia surrado badaneco de caqui
Floriano, onde albergava seu quicé afiado, o fumo de rolo e nacos de palha seca
e fina de espigas de milho, para o fabrico de cigarro e tirar baforete inibidor
do sono, pois, estava em missão missivista secreta, que deveria ser executada
antes da penumbra da noite se exaurir, quando muito alcançar as raias
encarnadas do quebrar da barra.
Fato
é, que naquela noite, que em específico, narrara o inacreditável assassinato do
Dr. Otávio Lamartine na Fazenda Ingá, no fatídico ano de 1935, pelo truculento
Tenente Oscar Mateus Rangel, que exercia a função policialesca de anspeçada
mais graduado na Região do Seridó, pois era Delegado Regional. O Dr. Otávio
Lamartine, era graduado em agronomia na universidade de Lavras, nas Minas
Gerais, e pós-graduado nos Estados Unidos da América do Norte, Deputado
Estadual, filho do não menos ilustre Juvenal Lamartine, Governador deposto por
Getúlio Vargas, no ano de l930, por imposição deste exilado em Paris, deixara
seu filho administrando suas fazendas de algodão e do criatório.
Agora mais recentemente,
lendo a obra “História de uma Campanha”,
do meu ilustríssimo Professor de Direito Constitucional, Dr. Edgar Barbosa, “No
dia 13 de fevereiro, (1935), quatro dias antes da realização das eleições
complementares de Acarí, era assassinado em sua fazenda “Ingá”. E acrescenta o
ilustre mestre: “Otávio Lamartine fora morto por uma força de polícia comandada
pelo tenente Oscar Mateus ernoRangel, figura do Estado-maior de governo, pessoa
de confiança do interventor. Essa força que se constituía de elementos que
exerciam funções policiais em Acarí e Parelhas, entrou de caminhão pela fazenda
“Ingá”, invadiu a residência de Otávio Lamartine, e, no alpendre da casa,
diante da família da sua vítima, trucidou-a quando ela apresentava ao
comandante Rangel uma ordem de habeas
corpus de que se munira.
“O
assassínio do meu filho é apenas um caso a mais na imensa série dos que têm
praticado o interventor, com o silêncio aquiescente do governo”...(Juvenal
Lamartine em carta ao Ministro da Justiça – Rio”.
A manhã ensolarada em lua
crescente/2012.
*É Professor e Dirigente do
Curso de Direito da UFRN.
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