por Jair Elói de Souza
Os
deuses da elegância serão meus coadjuvantes nessa empreitada de resgatar não só
uma artífice do bem vestir, mas, um estilo de vida cuja vocação era dar lordeza
e luxo aos que dela se serviram. Sua tenda de passar ou engomar roupa era um
“chão-cabana” de taipa, adereçado de uma latada rústica, que albergava a
trepadeira mimo do céu. Adornava seu terreiro, fileiras de boas-noites, crotes,
rosas dálias. Na retaguarda uma quinta com juazeiro centenário e uma
cajaraneira de era, onde criava galinhas caipiras. A conheci nos meus tempos de
infância. Tinha uma silueta esguia, andar compassado, elegante, sutil, pele
macerada pelo tempo e pela crueza do seu ofício em brasa, engomando roupas dos
mais abastados do tempo. A tarde dava-se a entrega a domicílio da roupa passada
durante todo o dia. Fazia desse gesto, um ritual de beleza cênica, quando ponha
no seu rosto o rouge e em seus lábios
grossos batom de cor vermelha.
Assim
era Maria de Fia. Reguei muitas vezes o seu jardim, que sempre me pagava
pontualmente. Gostava de flores, e de canto. Tinha uma voz alongada, sedosa,
límpida. Fazia dos seus solfejos a forma mais prazerosa de cumprimentar o velho
ferro de engomar e porque também não a sua solidão, já que era solteira e não
tinha filhos, vivendo nos cuidados e companhia de sua mãe, Fia velha. Maria de
Fia é irmã de Cheirim mulher do caboclo puxado na cor, o mestre de obra Joel, e de Vinô esposa de Chico Onça, que
prazerosamente se dizia cabra de Quinca Saldanha, quando na puberdade dos
tempos, e dera corretivos a muitos elementos ruins. Que ensinamentos!... cabra
ruim, anoiteciam e não amanheciam, era a
regra naqueles tempos de coronéis.
Meu
sentimento de escriba verseja no bem-querer a minha Jardim, aos seus
personagens, dos mais simples, tangidos pelo anonimato, apesar de consumirem
uma vida inteira de ofício laboral sob as vestes da dignidade, da honradez,
mas, esquecidos pela memória, pela lembrança, pelo reconhecimento até de sua
vizinhança. Maria de Fia, não era só uma simples passadeira de roupa da urbe
jardinense. Era um personagem, que gostava de flores, que cantarolava em sua
melancolia, alimentava em sua quinta concrizes em reprodução, canários da
terra, ralhava com os gaiolheiros que investiam no aprisionamento desses
pássaros, cena que assisti muitas vezes, mesmo sem entender aquela defesa do
encantador mundo dos bichos.
Hoje
os canários não existem mais, os concrizes não fazem mais aquela sinfonia em
bolandeira, colhendo os frutos do melão-de-são caetano no feudo de Maria de
Fia. Esta não solfeja mais as modinhas de época, o outono chegara. A primavera
em canto se fora nas dobras do tempo. Os colarinhos engomados não têm mais sua
arte, as pregas de calças sociais em linho branco S-120”, são relíquias em
desuso, o cênico sanfonado das saias pliçadas jazem na prateleira do
esquecimento.
Paleando
com Joaquim do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, este me informou que Maria
de Fia, atualmente reside em companhia de uma parente, na Cidade de Patos,
recebendo o meneio do velho Espinharas. Daí, imaginar-se que embora ausente da
urbe jardinense onde vivera, a velha
passadeira, não deixa de embalar sua grande saudade da nossa Jardim, pois,
espera que mesmo abotoado no seu abraço com o seu co-irmão o Piranhas, o
Espinharas presenteia sua terra natal com lembrança de uma cidadã que no seu
ofício de passadeira de roupa, fez o bom cênico da lordeza em tempos idos.
Em
lua cheia e festejos juninos/2012
*Professor
de Direito e escriba da cena sertaneja.
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