terça-feira, 16 de agosto de 2011

Reportagem Especial: O cangaceiro ANTÔNIO SILVINO - A passagem do antecessor de Lampião por Jardim de Piranhas


Manoel Baptista de Moraes era seu nome verdadeiro. Adotando o cangaço como modo de vida, a fim de vingar o assassinato de seu pai, o pacato sertanejo tornou-se “Antônio Silvino”, o mais famoso cangaceiro antes do aparecimento de Lampião.  Sua vida errante começa em fins de 1899 e se estende até a sua prisão, em novembro de 1914.
            Em fevereiro de 1901, Antônio Silvino pisou pela primeira vez o solo potiguar. Seguido de perto por uma tropa policial sediada na cidade paraibana de Santa Luzia, o grupo de cangaceiros liderados por Silvino foi pego de surpresa na Fazenda Pedreira, do Coronel Janúncio da Nóbrega, localizada no município de Caicó. O tiroteio, apesar da curta duração, foi intenso e um dos cabras do bando tombou mortalmente ferido próximo ao engenho da propriedade.
            Uma década escoa até que Antônio Silvino retorne ao Rio Grande do Norte. De fato, Em dias de janeiro de 1912, o famoso cangaceiro aporta em Jardim de Piranhas, na época uma Vila sem grande expressão econômica, mas integrada aos centros comerciais de Caicó e Catolé do Rocha. Partindo de Jucurutu, Antônio Silvino  acompanhado com cerca de uma dúzia de homens bem armados - desceu o leito seco do rio Piranhas. Ao entardecer, acampou com seu séquito para pernoite em um areado próximo ao lugar Piedade.
            No dia seguinte, ainda cedo, o pequeno grupo armado adentrava a povoação seridoense. Era dia de feira em Jardim de Piranhas. Por entre o minguado comércio do lugar, os homens do bando se espalharam e recolheram algum dinheiro.
            Silvino manteve-se à distância, observando cuidadosamente a Vila. À primeira vista, o lugar pareceu-lhe insalubre e abandonado. Animais vagavam soltos em meio aos feirantes. Prédios sujos, paredes por rebocar, calçadas inacabadas, buracos nas ruas e lixo por toda parte. O “Capitão” ficou indignado com o que viu. Possesso, mandou chamar o Intendente e lhe reclamou com aspereza o péssimo estado em que se encontrava a cidade nascente. Depois lhe exigiu  como absoluto senhor dos sertões - providências imediatas para a limpeza das ruas e do casario. Em tom abusado, arengou ao chefe político:
 -“Volto aqui em um prazo de onze meses, para verificar se minhas “recomendações” foram de fato cumpridas!”.
            As exigências de Silvino logo vieram a público, mas o sertanejo via o bandoleiro com alguma simpatia, já que suas visitas ao rio Grande do Norte tinham invariavelmente uma natureza pacífica.
            O jornal 'O Mossoroense', em edição de 13 de março daquele ano, publicou uma interessante nota sobre a reação da população campesina às investidas do bandoleiro ao nosso Estado. O artigo analisava com algum acerto o perfil daquele homem desde muito imerso no submundo do cangaço e as causas geradoras deste:
“Porque Antônio Silvino cavalheirescamente recebe, prodigamente presenteado pelo sertanejo pacífico e inerme, é antes de tudo um verdadeiro expoente, a manifestação exterior e característica de uma enorme diátese social. Ele é assim o sintoma que gangrena o organismo social. Devemos procurar o mal na sua base, procurando suas causas mais remotas”.
            Críticas ou comentários jornalísticos não possuíam, entretanto, o condão de concretizar uma efetiva campanha militar com o objetivo de manter o bandoleiro longe do Rio Grande do Norte. Antônio Silvino continuava a transitar livremente pelo Estado. Em verdade, meses depois, estava de volta a Jardim de Piranhas para comprovar, de perto, se suas 'ordens' haviam sido cumpridas. O cangaceiro mostrava-se feliz na oportunidade. A pequena cidade se
transformara: casas limpas, ruas organizadas e prédios comerciais pintados.
Considerou a mudança na paisagem da comunidade como uma 'conquista', a qual o marcou pelo resto da vida. Não se cansava de contar e recontar a história onde quer que fosse.
            Após sua soltura, em 1937, o velho cangaceiro passou a circular de forma amistosa pelos locais onde estivera mais de duas décadas antes. Nos vários locais em que esteve, repetiu com prazer o episódio ocorrido em Jardim de Piranhas.
            Na cidade pernambucana de Bom Jardim, por exemplo, onde passou alguns dias em 1939, narrou exaustivamente o episódio. Exagerava o enredo. Contava aos circunstantes que deu 'ordens expressas' ao Intendente para tornar a cidade agradável aos visitantes. Usando um tom de “dono-do-mundo”, Silvino repetia:
-“Mandei chamar o Prefeito e outras pessoas e dei-lhes um prazo para mandarem limpar e caiar todos os edifícios. Dei-lhes onze meses para solucionar o caso. Decorrido certo tempo, voltei à cidade e quase não reconheci. Transformação geral. Linda e catita mesmo”.

            E abria um largo sorriso, ao recordar-se do fato pitoresco. Ao final, invariavelmente, perguntava aos presentes:
-“Não foi melhor assim?”  e tornava a sorrir.

            No início da década de 40, Antônio Silvino vem pela última vez ao Rio Grande do Norte. Visita Serra Negra, Caicó e  mais uma vez - Jardim de Piranhas, a cidade que o marcara. Desta feita, foi hóspede da Sra. Emília Aladim de Medeiros. Durante o tempo em que esteve na cidade, sempre era olhado com um misto de medo e curiosidade. Diariamente, após o café-da-manhã, colocava sua cadeira na calçada do pequeno hotel e ali passava horas contemplando o vai-e-vem das pessoas do lugar.

Em certa ocasião, um cidadão conhecido por Nonato, parou para uma breve conversa. Não conhecia, decerto, o temperamento irritadiço de Antônio Silvino. Quis iniciar uma palestra amistosa e brincou:
-“Capitão, cadê o ouro que você ganhou dos fazendeiros”?
A resposta grosseira soou de imediato:
-“Fiz uma corrente e amarrei no rabo da sua mãe!”.

            A vida sofrida o fez amargo. Nos últimos meses de vida Silvino vivia calado, pensativo, distante. A única pessoa em Jardim de Piranhas a quem dava atenção era o Doutor Abílio Medeiros ou Dona Emília, sua hospedeira. Certa vez relembrou - em tom arrogante - como a cobrar antiga dívida:
-“Fiz um grande benefício a esta terra! Passando certa vez por aqui, achei as casas muito sujas. Fui ao Prefeito e dei um prazo para limpa-las. Pouco mais tarde voltei e achei a cidade limpa!”.
            Antônio Silvino faleceu em 28 de julho de 1944 em Campina Grande, Paraíba.
            Enquanto cangaceiro, a muitos matou, muitas vezes de forma fria e arbitrária. Porém, foi justo e bondoso com inúmeros sertanejos. Provavelmente ninguém jamais conhecerá, de fato, quem foi este famoso antecessor de 'Lampião'. É possível que suas atitudes contraditórias fiquem para sempre sem uma explicação plausível. Sua personalidade será eternamente um paradoxo.

Fonte: Revista Jardimemfesta 3ª Edição, setembro/2007 | Texto: Sérgio Augusto de Souza Dantas
(*) Sérgio Augusto de Souza Dantas É Juiz de Direito em Natal e autor dos livros LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE A HISTÓRIA DA GRANDE JORNADA e ANTÔNIO SILVINO: O CANGACEIRO, O HOMEM, O MITO.

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