MANOELZINHO DE MANOEL ANTÔNIO
por Jair Eloi de Souza*
Grassava
a estação outonal da era cinqüenta. Precisamente seu último ano, 1959. O
sertanejo estraçalhado pela travessia da grande seca do ano anterior, perdera
seus gados, criações, seus haveres, restando minguados teréns para um lento e
difícil recomeço. Havia uma esperança vinda das bandas do Piauí, chuvadas
caíram no semi-árido deste Estado, e já atingiam o noroeste do Ceará. A quadra
chuvosa nos sertões do Seridó era uma questão de tempo. E assim se fez. Os
povos do cinzento da Ribeira meã do Piranhas, já se antecipavam quebrando os
batumes das lagoas, destorroando-os para o plantio do arroz. Os gringos[1] já atendiam seus fregueses
com o caroço do algodão mocó para a semeadura renovadora dos algodoais, e
despachavam o crédito para a compra do algodão na folha[2].
Eis
que numa tarde em mês de carnaval, nevoeiros esparsos se agregaram, e num toque
de mágica, redemoinhos desembestados prenunciaram chuvas rápidas. Telhas em
cumeeiras soltas espatifaram-se no chão,
para assombração e alegria dos povos daqueles Sertões do Seridó. Começava ali,
um decênio mais dadivoso em invernada até o ano de 1969, pois, que 1970,
revelou-se seca recrudescente e de penosa travessia. Naquele ano do pós-seca, 1959, nos preparos dos campos de algodão, medidos em correntes, conheci
Manoelzinho do velho Manoel Antônio. Manco no cênico, brioso e inteligente nos
quadrantes da faina agro-pastoril, onde reunia rapidez nos cálculos, na
aritmética, regra de três, proporção e ilustrado permeio na gramática e
leitura. Inteligência rara cubava as áreas no olho e comprovava na prática,
raramente errava.
Um
ser de múltiplas aptidões, sua deficiência somática, gerava a exuberância de
desenvoltura no trato com qualquer empreitada que lhe fosse confiada. No
transcorrer dos mutirões de semeadura, de limpa, de construção de açude em
couro de boi, tinha leveza de antílope nas planícies dos descampados do tempo. Homem
de traquejo junto ao rebanho, naquilo que dizia respeito a vacinação, aplicação
de medicamentos, ferra de gado, sinalização da miunça. Seu pai, o generoso e
incansável Manoel Antônio, o tinha como um gerente. Nos tempos de hoje um
executivo de qualquer empresa do agro-negócio.
Manoelzinho
figura na galeria dos melhores mestres-escolas nas terras e cercanias do Riachão
de Baixo, Flores, Braz, Assembléia dos
Bau, amparo. Onde também tivemos o saudoso Professor Bernardo, Dona Evilásia,
Bárbara Rodrigues. Quão orgulho de ter sido seu aluno, mesmo já matriculado na
escola pública. Suas aulas eram um baita reforço, principalmente na hora
vesperal de prestar o exame de admissão com o saudoso João Bangu na freguesia
de Santana. Dinâmica da sabatina coletiva semanal, o famoso argumento, que tinha a presença da
intimidadora palmatória, distribuindo quinau[3], geralmente na quinta-feira à tarde.
Meu
avô, o velho matuto comboieiro contador de história, Chico Eloi, dizia aos
quatro cantos do mundo: O aleijado de
compadre Mané Antônio, é um dos homens mais inteligentes que conheci na face da
terra. Dançarino, gostava de freqüentar os toques[4], não havia mistério para
desfilar com cabrocha em som de um xote jineteado. A ciência era tomar a primeira talagada de aguardente ou queimado de
conhaque de alcatrão – São João da Barra. Manoelzinho é desses personagens que
talhou as adversidades de sua época, foi doutor em seu feudo rurícola, padrão
de raciocínio e reflexão. Puxador de incelências[5] que varava as noites, de
quadrilhas, prosador jocoso em debulhamento de feijão. E para não esquecer, nem
fugir a regra, era um senhor ator, quando comandava as zombarias e encenações,
na Semana Santa, na serração e malhação do velho traidor, o Judas Escariotas.
Manoelzinho,
era meu parente, pois, sendo neto do incansável Caboclo Antônio, uma saga
honrada que vivera no coice da burrarada e na faina agro-pastoril, tendo este
entre suas esposas duas irmãs, (em razão de falecimentos), primas do meu avô. Era Manoelzinho, casado com
Inês também minha parente e gerara ao lado desta, uma prole exuberante, com os
quais fui colega de desasnamento. Sem exagero, esse personagem tem lenho para
merecer dos escribas telúricos, uma obra completa, pois, marcara época em nossa
Jardim.
Ainda
é outono em lua minguante/ano 2012.
*Professor de Direito e escriba da tenda sertaneja.
[1]
Gringos: Ingleses que possuíam usinas de beneficiamentos de algodão mocó, e
monopolizavam o comércio, quando configurada a quadra chuvosa, já adiantavam
empréstimos sem cobrança de juros aos seus intermediários nas terras do Seridó.
[2]
Vender o algodão na folha; adiantamento de certa quantia na estação da limpa e
cultivo, para ser deduzida na entrega da safra, a partir da lua setembrina.
[3]
Quinau: ato ou efeito de corrigir, corretivo, dar lição de conhecimento no
colega.
[4]
Toques: assim se denomina antigamente o forró-pé-de-serra, samba, puxado a
concertina ou fole de oito baixo, igualzinho ao do velho Januário, tão
decantado pelo seu filho Luiz Gonzaga.
[5]
Incelências ou excelências: cantigas de velório em uníssono. Sem instrumento
muusical.
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