sábado, 22 de dezembro de 2012

O CANTO DA ACAUÃ, A SECA NO SERTÃO.


por Jair Elói de Souza

                        No sertão antigo, quando se ouvia o canto triste e sinistro da acauã, empoleirada num velho angico desfolhado,  no baixio de Joaquim de Anália, caminho da Cachoeirinha, a um passo de ema do fechado da  honrada Tia Baé, batia o desespero. Grassava a década de l950, e já se vivia as tardes em que setembro tinha recebido a primavera, onde decenários ipês amarelos faziam o destaque com sua floração. O Juazeiro, naquele sequidão e mundaréu esquisito, buscava as últimas reservas d`água que recebera na quadra chuvosa passada, e num esforço incontido dava início a rebrota e sua estação das flores. O sertanejo temente a Deus, e mais ainda, ao Padre Cícero Romão, punha as mãos para o céu, e começava seu rogatório. Esperava alguma notícia das terras do Piauí. Mas, apenas Chuvas de manga, escassas, de trecho minguado, eram os informes dos tangerinos, que se penitenciavam conduzindo gado comprado, pelos fazendeiros do Seridó poente, uma prática comercial e aquisitiva em razão do baixo preço, e da necessidade de repor os rebanhos desfalcados pelas vendas para o mercado do Recife, destacando-se nesse ofício o serranegrense Artéfio Bezerra da Cunha. 
                                   Naquela estação, finzinho do ano de l957, a gadaria consumia o pasto seco, e tinha um baita refrigério nas capoeiras de algodão, colhendo a crueira, a catemba e a própria rama, quando situadas nas terras de baixio massapesadas. Chegam as festas de fim de ano, raros são os casamentos, pois, não havia certeza de inverno na próxima quadra. Rompe dezembro, mas as chuvas não aparecem no semi-árido nordestino. No Piauí, apenas chove no sul, beiral com o Estado de Goiás então, hoje Tocantins, região do Vale do Gurguéia, um dos maiores lençóis freáticos (subterrâneos) do mundo.
 Convém ilustrar que a configuração do inverno nas terras do sertão em todo o semi-árido nordestino, obedece uma simetria cronológica. Primeiro, as pancadas de chuvas no Piauí, com início na última lua do mês de  outubro, se consolidando a estação do plantio por todo período novembrino, para atingir os Cariris novos e o Araripe no Ceará, por ocasião das festas de fim de ano. Daí seguindo janeiro com chuvas já em solo potiguar quando bate as portas com ventanias chuvosas no auto-oeste, depois médio oeste, Seridó, trairy-agreste e por fim atinge a pancada do mar na silhueta canavieira. Em síntese esse é o caminho das chuvas no solo nordestino.
                                    No início de l958, um velho manco, gangorrando em seu andar arrastado, trajando uma lordeza inimitável, roupa de linho “S”-120, branca, sapato em verniz marrom, chapéu de massa marca prado,  contrastava com as notícias que trazia na sua almanaque para aquele ano. Não havia mistério, o canto sutil, compassado, da velha acauã, vaticinava seca recrudescida nos sertões do Seridó. Era esse escriba, ainda um infante, seis primaveras completadas no abril, que não foi chuvoso. A estação da oralidade se concentrava na casa de Chico lixeiro, canzenza legítimo, com direito a café coado na hora pela generosa Nazinha, um primor de bondade. Os habituês daquela rica estação de conversas eram: Themístocles Cavalcanti, meu padrinho, o mais jocoso, também pudera, tinha como mestre seu parceiro da faina pastoril o dono da casa, pois, eram unha e carne, inseparáveis. Artur Ambrósio, viúvo, paleador de primeira, lordeza sobrava. Sabino de Chico Raimundo, e o mais irreverente e de tutano reflexivo, Chico Eloi, uma enciclopédia ambulante, o tutor intelectual desse signatário, resina do mais puro sabor da sabedoria popular, meu avô paterno.
                                     Naqueles tempos, a iluminação era gerada por motor a diesel, oito e meia da noite, dava o sinal, nove horas apagava. As noites eram escuras, uma negritude de quixaba madura. O céu um santuário de estrelas candentes, onde se destacava o planeta mercúrio, voraz no seu reinado, para com o Nordeste. Segundo a crendice popular, proibia São Pedro de mandar chuva para o cinzento e não deixava que a mãe de Deus baixasse a mão, trazendo chuvas para o sertanejo.
Estamos na hora vesperal da nossa quadra chuvosa, no semi-árido nordestino. Os sinais são de possibilidade mediana. O fenômeno la nina (baixa temperatura nas águas do Pacífico), permanece. Inibe o nosso maior inimigo o El ninõ, (temperaturas altas no Pacífico) que não permite a formação de chuvas (nimbos: cúmulos-nimbos – nuvens densas e cinzentas), que ofertam chuvas a qualquer hora. É uma mazela a menos para o criador. No entanto, esperemos que a água do Oceano atlântico, saia da sua friagem, se aqueça, e passe a consolidar a formação de nuvens carregadas, ajude na manifestação da Zona de Convergência, acima da Linha do equador, para que tenhamos um refrigério de inverno.
Tiro notícia da Chã da Graúna, o meu feudo na Borborema potiguar, que a Acauã está silente, seu canto sutil, compassado não está sendo ouvido. Para uns, isso significa uma mudez em melancolia, a estiagem longa, a faz refém de dissipar o tempo limpando sua penugem empoeirada. Para outros, ante à rebrota e floração exuberante dos juazeiros, o que é uma evidência nas terras do Sertão, cria nesta ave e no seu caráter de maior expectador da cena sertaneja, uma leitura instintiva de que sua penugem gasta será lavada em breve, com as chuvas redentoras, para amenizar o longo penar das gentes e dos inocentes animais neste torrão nordestino.
A lua está em crescente, quem sabe se não temos novidade na lua cheia que se avizinha, com chuvas nas festas natalinas?
*É Professor de Direito da UFRN.

5 comentários:

  1. CAUSAS DA SECA NORDESTINA - PARTE I

    Aracati, nos sertões do Ceará; cantarino na Chapada do Araripe — divisa de Pernambuco com o Ceará —, porque assovia ao atravessar a serra: um vento forte, de nordeste para sudoeste, que sopra pontualmente entre 19 e 21 horas e refresca agradavelmente as noites de primavera. Mas, para os nordestinos, a mesma brisa benfazeja é o primeiro sinal de tragédia. Quando sopra nas últimas semanas de dezembro e no mês de janeiro, é sintoma certo de seca. Seca que será tão mais grave e inevitável se não chover até 19 de março, dia de São José. Durante séculos, enquanto os meteorologistas torciam o nariz, essas foram duas das formas de o sertanejo fazer a previsão do tempo para a temporada das chuvas na região, entre março e abril. Agora, respaldados pelas observações de satélites meteorológicos e modernos computadores, os climatologistas dão a mão à palmatória: os sertanejos tinham razão.

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  2. CAUSA DA SECA NORDESTINA PARTE II

    O que o sertanejo não sabia é que as secas do Nordeste têm origem em lugares tão distantes quanto o Sudeste asiático e o círculo polar ártico. O que é compreensível: os próprios cientistas levaram décadas para entendê-las. São provocadas por dois intrincados e fascinantes mecanismos gerais de circulação de ventos no planeta. São fenômenos que se estabeleceram provavelmente há 20 000 anos, no fim da última grande era glacial. O primeiro e mais importante é composto pelas áreas de baixa e alta pressão atmosférica no Pacífico equatorial — a pressão atmosférica não é igual em todo o globo terrestre — conhecido como “célula de Walker”.

    Na década de 1920, o inglês Gilbert Walker descobriu que o padrão meteorológico do Oceano Pacífico equatorial contém uma área de baixa pressão atmosférica sobre a Indonésia e o norte da Austrália e uma área de alta pressão no oceano, próximo à costa da América do Sul, resultado da lei física de que o ar quente tende a subir e o ar frio tende a descer. De maio a setembro, as águas quentes do Oceano Índico e do Mar da China provocam a ascensão de um vento quente e úmido, criando o que os meteorologistas chamam de área de baixa pressão. A ascensão desse vento úmido, também chamada de convecção, leva à formação de nuvens e chuvas, no fenômeno conhecido no Sudeste asiático como monções. Livre da água, o vento viaja sobre o Pacífico a uma altura de 15 quilômetros em direção ao leste. Nesse trajeto, o vento se resfria e tende a descer sobre o oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando uma área de alta pressão atmosférica.

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  3. CASAS DA SECA NORDESTINA PARTE III

    O ar de cima para baixo impede a formação de nuvens de chuvas, o que, ao longo de milhares de anos, levou ao surgimento do deserto do sul do Chile e da região de Lima, no Peru. Parte dessa coluna de ar retorna em direção à Austrália e à Indonésia, enquanto uma parcela, novamente aquecida, toma novo movimento ascendente sobre a Amazônia, provocando chuvas na região, e desce sobre o Nordeste brasileiro, onde recebe os nomes de aracati ou cantarino, para refrescar as noites de primavera. Mas nem sempre acontece assim.

    Em ciclos de três e sete anos, nos meses de setembro, outubro e novembro, por motivos que ainda não se consegue determinar com certeza, uma grande massa de água quente vinda da Austrália avança pelo Pacífico equatorial em direção ao leste além da Ilha de Taiti, no fenômeno conhecido como El Niño. A água quente cria nova zona de convecção, deslo-cando as chuvas do meio do Oceano Pacífico para a costa oeste da América do Sul, na altura do Peru, e levando a corrente de ar vinda do Sudeste asiáti-co a cair diretamente sobre o Nordeste brasileiro, impedindo a formação de nuvens de chuva.

    É quando o suave assovio do cantarino na Chapada do Araripe nos meses de janeiro a março se torna de mau agouro, anunciando seca para o inverno — os nordestinos chamam a estação das chuvas na região de “inverno”, embora ocorra nos meses de verão-outono oficiais. É chegado, então, o tempo das novenas, promessas e procissões para São José, cujo dia, 19 de março, é a última esperança de chuva no sertão. Afinal, apesar de sua importância, o El Niño não é o único fator determinante das chuvas no Nordeste.

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  4. CAUSAS DA SECA NORDESTINA - ÚLTIMA PARTE

    Ainda assim, as chuvas da terceira semana de março no Nordeste dependem muito mais de fatores físicos que de fé. Elas são conseqüência de outro fenômeno meteorológico conhecido desde o século XVIII e chamado pelos climatologistas de ZCIT — zona de convergência intertropical, um anel de ar úmido que envolve a Terra próximo à linha do equador. A ZCIT oscila entre as latitudes de 10° ao norte e 5° ao sul, a região onde os ventos alísios dos hemisférios norte e sul se encontram. Esse fenômeno também é chamado de “célula de Hadley”, devido ao meteorologista inglês George Hadley (1685-1768) que em 1735 descreveu seu funcionamento. Dependendo da localização, a zona de convergência intertro-pical pode amenizar ou agravar as secas provocadas pelo El Niño.

    As nuvens de chuva da zona de convergência intertropical são alimentadas em boa parte pelo sistema de baixa pressão atmosférica da região da Terra Nova, no Canadá, próximo ao círculo polar ártico. Quando a baixa pressão é mais forte na Terra Nova, o ar úmido engrossa a ZCIT que se desloca em direção às águas mais quentes próximas ao equador, acompanhando com um pequeno atraso o movimento do Sol. Assim, quando o Sol atravessa a linha do equador no equinócio de outono do hemisfério sul, entre os dias 20 e 21 de março, a zona de convergência intertropical atinge sua posição mais ao sul, com o seu centro sobre a cidade de Quixadá, a 5° de latitude sul, no sertão cearense, provocando as chuvas do dia de São José.

    Às vezes, porém, a chuva não chega. O movimento da zona de convergência intertropical depende da tempertatura das águas no oceano, que na região equatorial varia entre 26° e 29°. E uma variação de 1 a meio grau entre as águas do Atlântico norte e do sul é a diferença entre um “inverno” chuvoso ou seco. Com as águas do Atlântico norte mais frias, a ZCIT desloca-se para o sul, trazendo suas nuvens carregadas. Se as águas do Atlântico estiverem mais frias no sul, entretanto, as chuvas serão despejadas na Amazônia e sobre a Ilha de Marajó. Para o nordestino será a seca, a fuga da asa-branca, a terra calcinada e a fome. Sem culpa de São José.

    FONTE - REVISTA SUPERINTERESSANTE


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  5. Continua desaparecido chico doido.

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